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redesign da id.visual do Clube de Regatas do Flamengo

O projeto a seguir não constitui um reposicionamento estratégico, embora simbolize uma mudança de postura com relação ao uso da marca Flamengo. Uma gestão profissional deve cuidar de cada aspecto responsável por manter e manifestar a grandeza de um dos maiores times de futebol do país, e nesse momento inaugura-se uma nova etapa na comunicação visual do clube.

Em cada detalhe, o Flamengo deve expressar e confirmar sua dimensão, importância e força como marca dominante no meio esportivo. Afinal... isso aqui é Flamengo.
O projeto de redesign da identidade visual do Clube de Regatas do Flamengo teve início ainda no começo de 2017, logo após meu ex-aluno e designer do clube à época, Eduardo Franco, desenvolver a identidade visual das redes sociais do Flamengo. Franco utilizou minha fonte mini Tipo (criada para o projeto mini Rio) como tipo de apoio nesse trabalho – o que por si só já foi motivo de orgulho e despertou minha atenção sobre a comunicação visual do meu time.
Por conta disso, pedi ao Eduardo que me enviasse algum material oficial do clube, utilizado e distribuído junto a fornecedores e parceiros, contendo os elementos principais da identidade visual do Flamengo: monograma, escudos, fontes, etc. Eu suspeitava que, desde a criação do padrão visual vigente (~1980), esses elementos foram sendo alterados e desgastados em suas diversas versões, geralmente criadas, modificadas ou customizadas por fornecedores de material esportivo. Com o auxílio do meu amigo Daniel Neves, excelente designer e conhecedor da história do Flamengo, confirmamos através de uniformes, produtos e impressos esse processo de 'derivação' acidental.

(nesse levantamento o acervo digital do site Fla Manto Sagrado foi fundamental: todas as imagens abaixo foram coletadas nesta página)

histórico de aplicações do monograma CRF nos uniformes do Flamengo, de 1980 até os dias atuais.
Ao analisar os arquivos digitais do monograma CRF (um dos símbolos mais importantes da identidade visual do clube), não fiquei surpreso em constatar problemas de natureza técnica, tanto em aspectos tipográficos quanto de acabamento vetorial. Além disso, o material enviado – um manual de marca de 2008 – apresentava-se desatualizado, com uma série de inconsistências, problemas e lacunas. Essa circunstância serviu não somente para indicar a necessidade de um processo de redesign, como também um urgente trabalho de revisão, normatização e padronização do uso destes elementos nas esferas institucional e comercial do clube.

Paralelamente a essa conclusão, Antônio Tabet, VP de Comunicação do Flamengo no período, solicitou a Eduardo uma pesquisa sobre times de futebol que recentemente modernizaram suas identidades visuais, no intuito de apresentar esta demanda junto ao Comitê Diretor do Flamengo. E assim conectamos vontade, necessidade e expertise, para consolidar uma oportunidade de ação.
A primeira parte do projeto constituiu uma fase de ajuste nos principais símbolos de identificação do Flamengo. Esse processo teve início com uma análise detalhada no monograma CRF, em função de sua importância crucial na identidade visual do clube.
Como já foi observado, problemas de natureza técnica e estilística configuravam uma clara oportunidade de melhoria e renovação. Dentre eles, destacamos a falta de padrão em estruturas semelhantes (serifas, hastes, terminações e separações), questões de desenho, alinhamento e acabamento vetorial de baixa qualidade.

Com o intuito de preservar a essência visual do monograma, a ação subsequente teve por objetivo apenas ajustar as inconsistências tipográficas encontradas, mantendo a estrutura de encaixes e proporções praticamente inalteradas.
O segundo passo dessa etapa foi analisar o escudo de esportes terrestres do Flamengo, onde o monograma CRF está aplicado. Observando atentamente o símbolo em questão, encontrei um pequeno problema passível de correção (nos arquivos utilizados oficialmente pelo clube). O escudo possui um contorno linear preto, que, ao se encontrar com a primeira faixa horizontal de mesma cor acaba fazendo com que esta se torne mais grossa que as demais.

Após corrigir esse detalhe, aproveitei para engrossar ligeiramente essa linha de contorno, no intuito de conferir um pouco mais de peso a este elemento responsável por proteger e destacar o escudo dos fundos em que está aplicado. Além dessa alteração intencional, como a proporção final do escudo é afetada pela espessura da linha de contorno, o escudo acabou tornando-se ligeiramente mais estreito (ou mais alto). O resultado final desse ajuste é um emblema mais ereto e forte, simbolicamente algo positivo no meio esportivo.
Para encerrar essa etapa de ajuste, faltava analisar o escudo de esportes aquáticos, um dos elementos mais tradicionais associado às origens do Clube de Regatas do Flamengo.

Comecei esse processo isolando os elementos constituintes do escudo, no intuito de analisar suas características particulares e identificar as melhorias possíveis – além de algumas atualizações estilísticas, já que este símbolo carrega imagens figurativas em seu conteúdo. Esse procedimento me ajudou a encontrar um pequeno problema de acabamento na forma do escudo (assimetria), e a evidenciar a falta de padrão no peso e no tamanho das letras 'CRF' do miolo. Além disso, percebi que era possível simplificar e atualizar o desenho da âncora e dos remos cruzados.
O escudo teve seu entorno redesenhado, incluindo um pequeno aumento nas reentrâncias encontradas na parte superior da forma. O novo padrão das letras 'CRF' é mais legível e contemporâneo, e resolve a inconsistência tipográfica apontada anteriormente. A âncora foi ligeiramente simplificada, eliminando detalhes que não contribuíam para o reconhecimento e legibilidade do sinal, e os remos foram redesenhados para se parecerem mais com equipamentos utilizados nos dias atuais. O exato ponto onde eles se cruzam passou a ser o divisor das cores vermelha e preta, o que também ajuda a organizar visualmente o símbolo.

Além desses ajustes, a linha preta de contorno deste escudo passou a ter a mesma espessura encontrada no contorno do escudo de esportes terrestres, conferindo uma maior paridade visual a ambos.

Apesar da intenção inicial dessa etapa ser a de apenas ajustar os elementos permanentes da identidade visual do Clube de Regatas do Flamengo, o exercício realizado sobre o escudo de esportes aquáticos acabou sendo um convite para dar um passo adiante. Até onde seria possível avançar sem descaracterizar nenhum dos elementos, aliando evolução estética com respeito às tradições do clube? E foi justamente olhando para as origens do Flamengo que encontramos um caminho.
Criado junto à sua fundação em 1895, o primeiro símbolo de identificação do Clube de Regatas do Flamengo é o emblema que deu origem ao escudo de esportes aquáticos. Observando ambos lado a lado, percebemos não somente a evolução estética de seus elementos internos, como um significativo processo de simplificação da forma externa do escudo. Enquanto o emblema fundador assemelha-se a uma espécie de pergaminho ou diploma, a versão seguinte praticamente remove essa referência histórica, conservando apenas algumas reentrâncias e saliências em consonância ao desenho interior.

A sequência natural desse processo de simplificação seria, portanto, a remoção desses detalhes do entorno, em sintonia com o caráter contemporâneo dos ajustes realizados no miolo. Esse procedimento de simplificação é bastante comum na evolução histórica de brasões, escudos, emblemas e marcas de maneira geral, e conferiu um resultado bastante interessante ao elemento: um escudo modernizado, e não apenas ajustado.

Pela maneira como o escudo de esportes terrestre é descrita no estatuto do clube, a única possibilidade de alteração/modernização neste elemento recai sobre o monograma CRF – o que, aliás, já ocorreu outras vezes na história do Flamengo.

Logo, me perguntei como seria possível modernizar o CRF, e saí um pouco do computador para conseguir esboços mais rápidos e expressivos. O exercício foi feito sobre impressões da estrutura ajustada, o que ainda me garantia uma forte relação com o monograma atual – afinal, a intenção era evoluir, e não modificar. Ao término desse processo, um desenho com características mais modernas e dinâmicas foi digitalizado, refinado e passou a constituir a forma final do monograma.

Comparando o monograma modernizado com as versões atual e ajustada, podemos perceber que o CRF é mais equilibrado e forte, visualmente falando, apresentando maior peso em diversos pontos do desenho, sem prejuízo de legibilidade.
O monograma do Flamengo possuía serifas bipartidas de inspiração vitoriana: uma referência ao estilo clássico inglês do século XIX encontradas comumente em outros escudos de clubes de futebol. Essa terminação foi substituída por serifas de natureza mais particular e dinâmica, com curvas e pontas incisivas e arrojadas que remetem à própria forma dos escudos do Flamengo.

O fragmento da letra C isolado no meio do monograma foi eliminado, com a criação de outra solução de encaixe. Sua terminação nesse ponto passou a ser uma das características visuais mais fortes do monograma modernizado: uma espécie de presa ou garra perfeitamente ajustada à curva interna da letra R. A perna da letra R também ganhou velocidade na sua parte final, e as 'esporas' das partes curvas do C e do R foram modificadas para sugerir um movimento contínuo e circular.

A semelhança evidente entre terminações, curvas e encaixes torna o monograma mais organizado, conciso e equilibrado. Tudo no novo CRF reflete força e movimento, com aspecto contemporâneo e acabamento de qualidade. Apesar disso, as proporções do monograma anterior foram respeitadas, bem como sua estrutura entrelaçada tão característica.
Com relação ao escudo de esportes terrestres, tanto pela questão estatutária como pela intenção de não alterar significativamente este símbolo do clube, a modernização deste elemento ficou a cargo apenas da inserção do novo monograma, além dos ajustes anteriormente já apresentados que lhe conferiam mais força e destaque.  
Para complementar o conjunto criado e consolidar o processo de renovação da identidade visual do Clube de Regatas do Flamengo, decidimos revisar também as assinaturas tipográficas do clube, criando um sistema de logotipos alinhado aos conceitos do projeto. Embora essa expressão tipográfica não tenha o mesmo caráter permanente e especial que os demais símbolos modernizados, entendemos que é uma ferramenta importante para o esforço de reorganização da comunicação visual do Flamengo.

Os novos logotipos adotam princípios semelhantes aos que o clube já vinha trabalhando, embora se apresentem agora em um tipo mais forte e contemporâneo, trazendo ainda pequenas particularidades em seu desenho. Um padrão tipográfico sólido e extremamente legível, integrando um conjunto versátil de assinaturas e estilos para aplicações no dia a dia da comunicação do Flamengo. Para o tipo institucional de apoio o mesmo princípio foi adotado, e o projeto é complementado por uma terceira fonte tipográfica para uso na web.
Todas as fontes utilizadas constituem softwares livres, desonerando o clube de qualquer custo de licenciamento, bem como facilitando a utilização legal e correta das fontes digitais – tanto internamente, como por parte de parceiros e fornecedores.
O resultado de todo esse processo é uma identidade visual renovada, mas que em momento algum descaracteriza a personalidade e o patrimônio histórico do Clube de Regatas do Flamengo. Afinal, nosso objetivo sempre foi modernizar sem desrespeitar as tradições.

A proposta tampouco visa descartar o passado rubro-negro, mas, oportunamente, ampliar a gama de produtos e conteúdos disponibilizados em três linhas possíveis:
Abaixo algumas imagens do projeto, exercícios de cor, aplicações hipotéticas e/ou sugestões de uso. Todas as imagens têm função meramente ilustrativa e não constituem produtos oficiais existentes, nem aplicações reais do projeto. Aos poucos, com a implementação gradual do novo padrão de identidade visual, acrescentarei novas imagens do projeto em uso.
animação produzida por Eduardo Franco.
Uma entrega de projeto de identidade visual só está completa após a criação de um manual de uso e aplicação do sistema criado. Neste projeto, entretanto, este item nunca foi entendido como um simples desfecho, em função de sua importância e necessidade para uma melhoria na gestão da comunicação visual do Flamengo.
Desde o início, o manual constou como um dos principais itens deste projeto, cujo conteúdo foi objeto de inúmeras conversas entre todos que se envolveram diretamente com o trabalho, incluindo funcionários do clube. Traçamos como objetivo a criação de um documento que adotasse recomendações simples e diretas, com foco apenas nos elementos principais da identidade visual do CRF – especialmente nesta primeira etapa de implementação (e nesta parte da documentação). Revisões e acréscimos são previstos, como parte de uma manutenção natural a um projeto desse porte e complexidade de uso.
Este documento servirá não somente para orientar parceiros, licenciados e fornecedores, mas também e principalmente para auxiliar funcionários do clube a trabalhar a própria identidade visual.
O projeto foi apresentado oficialmente no dia 10 de abril de 2018, em uma operação coordenada de divulgação dos novos uniformes da temporada 2018/9, ações de ativação em redes sociais e atualização na comunicação visual do clube. Em uma parceria com a plataforma Wix, o clube publicou um hotsite contendo informações sobre o projeto:

uniforme do Flamengo: Adidas - Home 2018 / 9.
material de redes sociais e atualização de linguagem (projeto desenvolvido por Eduardo Franco).
No dia 18 de abril de 2018, a nova identidade visual criada fez sua primeira aparição oficial em um evento esportivo, em partida válida pela Copa Libertadores da América (Flamengo 1x1 Santa Fé). O atacante Henrique Dourado marcou o primeiro gol do Flamengo com o novo CRF.
Copa Libertadores da América - Flamengo 1x1 Santa Fé - 18/04/2018 (Maracanã).
Boa parte dos clubes de futebol no Brasil ainda não compreende o design como uma ferramenta estratégica em suas operações – e isso é um pouco preocupante por estarmos em 2018, evidenciando um enorme atraso no processo de profissionalização da atividade.

A grande maioria dos clubes demanda serviços pontuais de profissionais criativos, em ações geralmente associadas à comunicação visual e marketing. Mas arrisco dizer que nenhum tem um departamento de design próprio, com profissionais dedicados a repensar a estrutura do clube, suas práticas e ações, seu discurso, a gestão do patrimônio material e imaterial e a criação de novas oportunidades de negócio.

Fico imensamente honrado e feliz por participar de um esforço do meu time do coração, no sentido de reconhecer a importância de sua comunicação visual como parte estratégica de seu negócio. Não é a primeira iniciativa nesse sentido, mas a julgar pelo foco deste projeto, este foi um passo importante.

E por gostar de futebol, adoraria que essa iniciativa extrapolasse o âmbito das paixões, e servisse como referência para a evolução do esporte como um todo – incluindo nesse processo a valorização da atuação do designer.

E aí não importa seu time, estamos juntos nessa. ;-)
Algumas pessoas foram muito importantes para a realização deste projeto, e eu gostaria de deixar aqui o meu muito obrigado emocionado e sincero. Em primeiro lugar a meu ex-aluno e amigo Eduardo Franco, que seguramente pode incluir esse projeto no portfólio por sua participação incansável em todas as etapas do trabalho, do desenvolvimento à entrega.

À Daniel Neves, pela consultoria valiosa e crucial sobre a história do clube, e pelas muitas discussões acaloradas para definir 'o que é Flamengo'. Aos amigos Lauro Machado e Jamil Li Causi, pelas contribuições sempre construtivas, entre críticas e sugestões.

Aos amigos do Clube de Regatas do Flamengo, especialmente Fred Tannure, Ricardo Taves e Márcio Macculloch. À Antônio Tabet, por fomentar esta oportunidade e conduzir o projeto com grande respeito à minha atuação profissional. Ao presidente do Flamengo e demais diretores (e funcionários) do clube, por abraçarem o desafio de tornar o CRF uma referência em transparência, gestão e profissionalismo.

À minha esposa, Ellen Gonzalez, torcedora do SPFC, que me atura falando do Flamengo incessantemente e agora também sob pretexto profissional. E a todos meus amigos flamenguistas que estiveram por perto nessa jornada, ou com quem um dia já dividi a mesa de bar, um degrau sujo de arquibancada, um abraço e um grito de é campeão. SRN!
Dedicado ao meu tio Vicente, que fez meu pai flamenguista e assim contribuiu definitivamente para melhorar a linhagem da família. :-)
Fabio Lopez é carioca, designer e mestre pela ESDI /UERJ e professor da PUC-Rio. Entende o design como um poderoso instrumento de produção cultural e discussão política, e atua como profissional independente em projetos de tipografia, identidade visual, moda e ilustração. É autor do projeto mini Rio, homenagem e extenso exercício de representação visual que resultou na criação de mais de 200 pictogramas e padronagens sobre sua cidade. É autor dos projetos War in Rio, Bando Imobiliário Carioca e Batalha na Vala - tríade de paródias que aborda o tema da violência urbana no Rio de Janeiro. É responsável pelo logotipo que integra as marcas Olímpica e Paralímpica Rio 2016, e desenvolveu a identidade visual do CCD - Centro Carioca de Design, órgão de fomento vinculado à prefeitura do Rio. Em 2017 criou o Emblema do Patrimônio Cultural Brasileiro em concurso organizado pelo IPHAN, e desenvolveu o projeto de redesign da identidade visual do Clube de Regatas do Flamengo, seu time do coração. Atualmente integra o conselho curador da Bienal Latino-Americana de Tipografia Tipos Latinos, após ter sido jurado e coordenador da mostra. Pesquisa design filatélico e desenvolveu alguns selos postais para os Correios do Brasil. Em 2018 publicou o jogo de cartas Design Against Humanity, versão temática de Cards Against Humanity. Já fez fonte, cartaz, site, livro, estampa, ilustração e vandalismo. É palestrante, consultor e escreve coisas estranhas.
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